Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Tomates, tomates, tomates



O título pode ainda não vos dizer grande coisa, mas tenho a certeza de que muitas mães se vão identificar bastante com o que vão ler. Bom, não precisam de ser mães…podem ser educadoras de infância, professoras, tias, madrinhas, irmãs, avós, amigas… À partida, se houver uma criança metida na equação, nomeadamente uma criança entre os 3 e os 12 anos, vão saber bem do que falo.

De facto, há uma empresa alemã sediada em Portugal, um supermercado (mais vale dizer logo que é o Lidl, porque todos sabem que é a essa grande superfície que me estou a referir – e é bom que saibam também que esta publicidade gratuita deveria fazer-me render muitos, muitos pontos), que conseguiu a proeza de durante dois meses e pouco pôr toda a gente a falar de frutas e vegetais, peluches, pontos, cadernetas, cartas… e em total desespero mães e pais (não, não podem dizer que sou só eu que não acredito).

Se houver alguém por aí que tenha estado hibernado ou meio adormecido, eu explico. O Lidl criou a campanha Gang dos Frescos, cheia de peluches super fofinhos, todos vitaminados. Mas é uma promoção? Sim….não? Segundo a Wikipédia, a nossa melhor amiga, promoção “é qualquer ato que venha a elevar o status de um produto, individuo, situação, empresa, etc. (…) é um ramo direto da publicidade, do marketing, de relações públicas…”. Ok, o Lidl criou uma promoção que foi um excelente golpe publicitário e lhe rendeu uns belos euros a mais – e é assim que os alemães combatem a crise.

Mas oferecem alguma coisa, perguntam vocês? – sim, é que nas nossas cabeças numa promoção ganhamos qualquer coisa, temos direito a um desconto ou até se levam dois produtos pelo preço de um… Mas, neste caso, não acontece nada disso…Então, o que acontece? Eu ajudo.

Por cada dez euros em compras recebe-se 1 ponto (e 4 cartas para coleccionar). Ao fim de 6 pontos, ou seja, de 60 euros gastos, pode-se ficar com um boneco com a forma de fruta ou vegetal. Mas isso é porreiro pá!, diz alguém que andou mesmo hibernado. Pois…sim….esqueci-me de dizer que ainda temos de pagar 9.99 para ficar com o peluche e fazer a nossa criança feliz. Ou então gastamos 120 euros em compras (12 pontos) e desembolsarmos “apenas” 2 euros e 99 cêntimos (sempre adorei a magia dos preços a acabarem em 99 cêntimos) para levarmos connosco um dos presentes mais desejados dos últimos tempos. Mas então, nunca é de graça? Deixem-me pensar…ahhhhhh, não. E pode-se chegar lá e simplesmente comprar o peluche e ficarmos livres do choro histérico dos nossos amores mais pequeninos? “Eu quero o mirtiloooooo, eu quero a laranjaaaaaaaaaaaaaaa”… (choram por oito bonecos diferentes). Não, também não se pode chegar e comprar e acabar logo com o suplício. Tem sempre de se fazer, pelo menos, 60 euros em compras primeiro. Começam a acompanhar o meu raciocínio?

Se isto ao menos fizesse os nossos bem-amados filhos terem mais vontade de comer tomates, ervilhas, cogumelos e laranjas seria uma boa estratégia. Qual quê? Eles não são assim tão fáceis de enganar. Querem os peluches e é já. Ou é só, se calhar. Supostamente há um fundo humanitário e proactivo importantíssimo nesta campanha. É didáctica. Até há uma caderneta que adverte sobre os bons e maus hábitos alimentares… que, já agora, também tem de se pagar. Mas o tempo que deveríamos gastar a explicar-lhes que o sal faz mal ao coração; que os vegetais não devem faltar nem no almoço, nem no jantar; que o peixe é melhor do que a carne; que os mirtilos curam doenças da boca pelo seu poder desinfectante e anti-inflamatório; que o tomate tem muita vitamina C, que previne a artrite e a aterosclerose…é o tempo que temos para os consolar e explicar que é impossível terem os peluches todos, que isso implicaria ir todas as semanas, pelo menos uma vez, ao outro lado da cidade e deixar por lá todo o dinheiro da carteira, dos bolsos e dos cartões de crédito e sem ser de crédito. 

É que ainda por cima nem sequer temos uns 6 meses para gerirmos a crise. Começou no dia 1 de Setembro e termina já a 8 de Novembro. E por mim falo, já estou com palpitações só de pensar que só vou conseguir dar-lhes três peluches, no máximo. As minhas alunas até já me avisaram para eu não me preocupar – “Sem stress Professora, eles estão à venda no Olx e no ebay!”. Grande Lidl. E o burro sou eu?, como diria o outro.

Este assunto é sério, acreditem. Este último mês não tem sido fácil. Parece que no ano passado também houve esta campanha, mas consegui sair ilesa. Desta vez não tive como escapar – malditas escolas onde se aprende o que não se deve.

Tendo tomado conhecimento dos factos este ano, os artistas cá de casa começaram logo a pedir e a pedir e a pedir. E o pedir é como o coçar, o difícil é começar. E eu pensei cá para mim “um só não vai fazer mal” e arranjei-lhes o tomate. Três a disputar o tomate, my God! Tenho de arranjar pelo menos mais um, decidi de imediato. Pelo menos não se matam. Alguma vez na vida eu pensei passar por isto? Ver os meus filhos a degladiarem-se por causa de um tomate? Então veio o cogumelo, bem engraçado, por sinal, que acalmou os ânimos, mas por muito pouco tempo. “A Teresa tem o mirtilo e a Constança a ervilha e ninguém tem a laranja, sabias?”. E todos os dias quando os acordava, a primeira coisa que o Vicente me dizia, antes mesmo de um alegre “mamã, bom dia!”, era “é hoje que vais buscar a laranja?”. E quando os ia buscar ao colégio, não parava de perguntar “Já tens a laranja? Vamos agora comprar?” Socorooooooo. E como a mãe é muito pouco esperta – assumo-o aqui perante tantos leitores – em vez de ficar caladinha, como uma boa menina, e ir dizendo apenas “sim, sim, pois, pois…qualquer dia”, lembrou-se de comentar “ai sim, mas a maçã não é muito mais gira?”. Resultado: passaram a querer a laranja, como até aí, mas agora também, pelo menos, a maçã. “Mas se conseguires, por favorrrrr, traz também o Mirtilo e já não pedimos mais nada”, até daqui a pouco, claro. Boa Sofia, muito bem, bom trabalho! As mães são mesmo tontas, até eu me espanto. E lá fui eu telefonar para a minha mãe “Arranja-me os pontos aí do Alentejo, preciso tanto”.

Aqui em casa não se fala de outra coisa, não se pensa noutra coisa e, até diria mais, não se sonha com outra coisa. Querem ver? Vou-vos dar dois exemplos que explicam o estado em que os meus ricos filhos andam. O Manuel fala a dormir. Não se levanta da cama, não faz coisas estranhas, mas fala que se farta. Uma destas noites, ainda estava eu acordada, oiço-o a falar e ainda apanho o fim do que aparentava ser um diálogo “Queres o tomate? Ai queres o tomate? Agora não te dou!”. Sim, ao menos com ele sabemos o que o anda a preocupar. Já o ouvi falar de bulhas, já gritou que não queria jantar. Isto só me confirmou os meus piores receios. Esta campanha está tão bem feita que consegue chegar aos sonhos dos nossos filhos, tomando a forma de pesadelo. Perigosíssimo! 

Duas noites depois tirei a prova dos nove…da pior maneira possível. Tenho a certeza que agora vão ficar mesmo do meu lado. A Concha passou a noite neste fado “O meu tomateeeeee, perdi o meu tomateeeee” e eu passei a noite a levantar-me e ir à procura do raio do tomate dela, no escuro. Devolvia-lhe o tomate, voltava para a cama tropegamente, para uma hora depois ouvir de novo a mesma ladainha “Não sei do meu tomateee, mãeeeeeeeeee”. Às tantas peguei-lhe bruscamente, gentilmente e levei-a para a minha cama. Dormimos o resto da noite descansadinhas, abraçadas ao tomate.

Tenho ou não tenho razões para andar cansada, com os nervos em franja e num frangalho? Se ao menos uma vez, uma vez somente, eu lhes pudesse dizer “vai chatear a tua mãe!”, mas não posso. A mãe sou eu!!!!



Por acaso não se arranjam por aí alguns pontinhos?





terça-feira, 20 de outubro de 2015

Os psicólogos também chocam de frente


Há uns tempos li um título bastante sugestivo – realmente não há nada melhor do que um bom título – “As fadas  também tomam Prozac”. Na altura não li o artigo, confesso, mas o título não me saía da cabeça e, embora sem me aperceber do erro, fiz uma interpretação minha do título original. Sempre que pensava nele era “As princesas também tomam Prozac”. A ideia de as princesas dos contos de fadas e mesmo de as princesas reais, cujas vidas imaginamos perfeitas e até invejamos, precisarem de medicação, por sofrerem, por não aguentarem as exigências da “profissão”, por não se sentirem capazes de honrar as expectativas que recaiam sobre elas, fazia-me todo o sentido. E houve um dia em que se fez o clique. Era sobre isso que queria escrever: os psicólogos também tomam Prozac – quem diz Prozac, diz Diazepam e Sertralina, mas, convenhamos, não tinha a mesma pinta. Contudo, como não queria levar emprestado um título que não era meu, surgiu-me um substituto, que se enquadrava perfeitamente na ideia que queria transmitir. Podia não ser tão bonito, mas era verdadeiro: Os psicólogos também descarrilam. Uns dias depois, ao falar com uma psicóloga amiga sobre um determinado assunto, dizia-me ela, “não é bem um descarrilamento, é mais um acidente. Um acidente inesperado, como uma crise imprevisível, onde se chocou de frente numa colisão brutal, se partiram as duas pernas, onde há sangue por todo o lado, estamos em choque e a tentar processar o que nos aconteceu, olhando pelo lado de fora para aquele cataclismo, como se não fosse da nossa vida que se tratasse”. E o título simplesmente surgiu. Os psicólogos também chocam de frente. A 180 à hora, contra muros de pedra, paredes de cimento, contra camiões cisterna. Também entram em coma, colapsam, também querem largar tudo da mão, também sentem que não têm forças para continuar, para resistir, para aguentar a pressão.
Escolhi os psicólogos, porque sou psicóloga. Também poderia ter escolhido os professores, porque também sou professora. Ou as mães, porque sou mãe, 4 vezes mãe. Podia até ter escolhido as princesas, embora já só seja uma princesa aos olhos dos meus filhos, ou porque ainda me recordo dos dias em que acreditava ser uma princesa.
O que quero dizer é que há profissões, há papéis sociais que desempenhamos que nos obrigam a ser um exemplo diário, de força, determinação e virtude. Uma mãe não pode chegar um dia e dizer simplesmente “não aguento mais, chega, não quero mais ser mãe!”; uma educadora de infância não pode aparecer um dia sem aquele sorriso rasgado na cara ou a sua paciência infinita; uma política não pode tirar fotografias onde apareçam mais uns centímetros de pele do que os aparentemente estipulados como permitidos, nem pode mostrar a barriga de grávida… Um psicólogo não pode deprimir, não pode não se conseguir ajudar, desistir. É que somos exemplos, vistos como seres perfeitos, sem defeitos, sem pecados. E se até o psicólogo “descarrila”, o que acontecerá com os comuns mortais? Como é que ele pode ajudar outros, se não consegue ajudar-se a si mesmo?
Temos de parecer, mais do que ser. E ninguém quer realmente saber da vida difícil das mães, das princesas, dos psicólogos,dos professores, dos políticos… Tal como os anjos não têm sexo, é como se estas pessoas não tivessem vida. Não lhes é permitida a condição humana.
Nós somos um pouco voyeuristas e encontramos algum tipo de prazer sádico e retorcido na tristeza dos outros ou, para não parecer tão mal, posso simplesmente dizer que a tristeza dos outros, principalmente dos sobrehumanos, torna “os outros” mais humanos… essas crises dos “intocáveis” justificam as fragilidades de quem não tem esse estatuto.
Um médico fuma, embora diga aos seus pacientes para não fumar. Um médico também adoece de uma doença física e morre, não há como escapar, a menos que seja atropelado, assassinado, que caia de um 10º andar… Mas quem não ouviu já dizer “ele está doente? Mas é médico!”.
E os psicólogos também são pessoas, com vida pessoal, com acontecimentos traumáticos, com crises de vida, umas esperadas e outras totalmente inesperadas. Também sofrem, também desesperam e também não encontram em si todas as respostas e todas as estratégias para lidar com os males do mundo e com os seus próprios males. Sofrem pela vida dos outros. Sofrem pela sua própria vida. E por vezes precisam que os ajudem. Os psicólogos também precisam de tempo para se restaurar, para colar os pedacinhos partidos, fazer terapia à alma e reaprender a amar, principalmente a gostarem mais de si próprios. E acreditem, essas experiências, tão humanas, só os tornarão mais entendedores do sofrimento alheio, não mais fracos ou mais incapazes.
Um dia alguém chocou de frente, entrou em coma, deixou de conseguir funcionar, deixou de conseguir trabalhar, de cuidar dos filhos, perdeu o interesse por tudo. Quase desistiu. Aos poucos foi aprendendo novas estratégias, foi descobrindo o que estava a ser ou não tóxico na sua vida, foi encontrando novas formas de lidar com o acidente e criando uma nova identidade, a partir das cicatrizes deixadas, mas não deixando que essas cicatrizes fossem o que o/a definissem. O Prozac pode ter ajudado. Que eu saiba, não é crime tomar medicação, nem vergonha, nem uma maldição. Pode ter sido uma mãe, pode ter sido um professor, pode ter sido um psicólogo… Pode ser qualquer um. Pode ser qualquer pessoa. Porque um dia, todos podemos chocar de frente.





Obrigada Maria Capaz. Obrigada a todos os que partilharam, que deixaram comentários maravilhosos, que fizeram like.



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...